Gottlieb-Jews Praying in the Synagogue on Yom Kippur
“Assim como meu corpo está seco,
Meus beiços lavados,
Meu sangue derretido,
Assim me outorgueis Senhor o que vos pido”1].
Adaptação da oração do Pai-Nosso, rezada pelos marranos/cristãos-novos de Carção, no século XX:
Senhor, que estais nas alturas,
Por Vossos altos favores,
Vos chamam os pecadores:
Padre-Nosso.
A Vós, Senhor, como posso
O Vosso nome invocarei,
Pois decerto, eu bem sei
Que estais nos céus;
Amparai, Senhor, um réu,
Que muito ver-vos deseja,
Que Vosso nome seja,
Santificado,
Eternamente sejais louvado,
Por tais modos:
A uma voz digamos todos:
Seja,
Do dizer ninguém se peja,
Nem o mais de Vos louvar;
Só deve triunfar,
O Vosso nome,
Matai-nos a nossa fome,
Com o bem da Vossa mão,
E do céu, meu Deus o pão
Venha a nós.
Amparai-nos sempre Vós,
Dando-nos pão e mais pão,
E por fim, em conclusão,
O reino Vosso.
Fazei que seja nosso
Esse reino da verdade;
Sempre a Vossa vontade
Seja feita.
Quando dermos conta estreita,
Convosco, meu Deus, me veja,
Para perdoar-me seja
A Vossa vontade.
Dai-nos lá, na eternidade,
À Vossa vista um lugar;
Já que andamos a peregrinar
Assim na terra,
É assim que se desterra
Uma dor como tal prazer,
Pois melhor lugar não pode haver
Como no céu.
Em tempo algum seja réu,
Por culpas que não cometi;
A todos daí, como a mim,
O pão nosso.
Eu prometo ser tão Vosso
Que por Vós morrerei;
Sempre Vos louvarei
Cada dia.
Dai-nos prazer e alegria,
Com poderes da Vossa mão,
E a todos o perdão
Nos dai hoje,
Que de Vós ninguém foge,
Antes se chegam a ti contritos;
Porque sois Deus dos aflitos,
Perdoai-nos
E por amor amparai-nos!
Felizes os que de Vós amparo têm;
Absolvei-nos, também,
As nossas dívidas,
Que por serem contraídas
Temos todos grande dor;
Perdoai-nos, Senhor,
Assim como nós
Havemos mister, e Vós,
Se acaso o perdão nos dais,
A perdoar nos ensinais,
Perdoamos.
Que é glória Vossa, e damos
O perdão por mui bem feito,
Pois perdoar é preceito,
Aos nossos,
Pois, por sermos todos Vossos,
É mui justo o perdão,
Para que não haja, não,
Devedores,
Assim como os Vossos favores,
Que qualquer é superior,
Agora, por Vosso amor,
Não nos deixeis.
Senhor, não desampareis
Barro que não é valente,
Pois se deixa facilmente
Cair;
Cuidai muito em nos acudir
Com auxílios eficazes,
Que de cair somos capazes
Em tentação;
Esteidei-nos a Vossa mão,
Senhor, com todo o cuidado,
De contrair o pecado
Livrai-nos
Meu Deus e Senhor, dai-nos
Zelo e serviço fecundo,
E livrai-nos neste mundo
De todo o mal,
Agora, diga já cada qual,
Com bem puro e firme amor:
Louvado seja o Senhor.
Amem.[2]
Orações dos marranos/cristãos-novos de Carção dos finais do século XVII
I
Ó alto Deus de Abraão,
Ó forte Deus de Israel!
Tu que ouviste a Daniel,
Ouve a minha oração.
Vós, Senhor, que vos pusestes
Lá em cima nas alturas,
Ouvi-me, a mim, pecador,
Que vos chamo das baixuras.
Pois a toda a criatura
Abristes o caminho da fonte,
Levantei ao céu meus olhos
Donde virá minha ajuda.
A minha ajuda virá
Do verdadeiro Senhor
Que fez o céu e a terra
E o mar e quanto há nela.
II
Ó meu Deus, governador!
Ouvi alto meu clamor,
Ouvi a minha oração
Que minha boca se não perca
Entregai-vos, Senhor, dela.
Não me metais em juízo
Pois tendes todo o poder.
Livrai-me da vossa ira
E tende-me de vossa mão.[3]
Aguardo tu Mercedes,
Lo que tu mi gran Dios puedes,
Me muestras tan llano e claro,
E pues le sirves de amparo
Aquel que tu gran Dios quieres.
Sem tu poder no se mueve
La menor cosa del mundo.
Muéstrame en esta ocasión
Como te acuerdas de mi.
Si los leones por ti remueven
Su condición alaben el señor
Tal impasible, en lo impasible,
Inmortal en lo inmortal;
Hoy en el paso en que estoy
Memoria quiero hecer
De todos quedan confesados
Si tanto capaz yo soy.4]
[1] Esta oração judaica foi encontrada no processo de Maria da Costa, filha de Brites Lopes e de António da Costa, gentilmente cedida por M.ª Fernanda Guimarães.
[2] Amílcar Paulo, Os judeus secretos em Portugal, ed. Labirinto, 1985, pp. 98-99; David A. Canelo, Os últimos criptojudeus em Portugal, 1987, pp. 154-157.
[3] Fernanda Guimarães e António Andrade, Carção – a capital do marranismo, 2008, pp. 57-58
[4] Esta oração judaica, em língua castelhana, foi citada por Francisco Lopes de Leão em 1667. Encontra-se também no livro: Fernanda Guimarães e António Andrade, Carção – a capital do marranismo, 2008, pp. 61-62
. Algumas orações dos marra...